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Marca Walmart sai do mercado e novo grupo enxuga operação

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O Walmart Brasil vai passar a se chamar Grupo Big e a marca de hipermercados Walmart irá desaparecer no país até o primeiro semestre de 2020, como parte do seu processo de reestruturação, disse ao Valor o presidente da companhia, Luiz Fazzio, em sua primeira entrevista desde que a varejista foi vendida pelo grupo americano à gestora de private equity Advent.

Nesta manhã de segunda-feira, Fazzio comunica as mudanças aos funcionários das lojas e também enviará carta à indústria.

Os hipermercados Walmart nas regiões Sul e Sudeste passam a se chamar Big, enquanto no Nordeste, as lojas do Hiper Bompreço se transformarão em Big Bompreço.

No total, a conversão envolverá 127 hipermercados, sendo que cerca de 100 pontos migram para as duas novas marcas do Big até junho de 2020. O restante deve migrar para lojas do Maxxi Atacado (atacarejo) e Sam’s Club (clube de compras), ambas do grupo.

Em relação aos supermercados, haverá uma nova divisão: os pontos no Nordeste passarão a se chamar Super Bompreço (eram apenas Bompreço), e nos Estados abaixo do Nordeste as lojas devem virar Nacional, rede que já opera no Rio Grande do Sul. Desta forma, a marca Mercadorama, com seis lojas no Paraná, deixará de existir. Ao final, o grupo terá 109 supermercados das duas marcas. A companhia tem hoje 412 lojas (ver quadro abaixo).

A reorganização dos supermercados ocorre no segundo semestre de 2020, após concluída a primeira fase com os hipermercados.

“Numa transformação deste tamanho, eu tenho que escolher o que vou fazer primeiro. A palavra que mais repito aqui é foco. Deixar de lado o que não importa para fazer o que realmente precisa”, diz.

Sobre a decisão de interromper o uso da marca Walmart, há razões econômicas. A empresa paga royalties mensais aos americanos, de 0,7% sobre as vendas, pelo uso da marca, apurou o Valor. O fim do pagamento tem efeito positivo e direto na margem de lucro. O Grupo Big vai continuar pagando royalties (que não chegam a 0,7%) pela marca Sam’s Club, que pertence ao Walmart.

“Eu tenho uma marca global de sucesso absoluto que é o Walmart, mas que no Brasil nunca foi a mesma coisa que lá fora. A sensação que tenho é que as pessoas sempre esperaram que isso acontecesse, e ficaram com essa expectativa na cabeça. Em parte, por causa dessa referência, a decisão de mudança foi muito difícil”, diz Fazzio.

Segundo ele, “era melhor fazer isso já, do que manter o Walmart porque seria burrice melhorar um negócio e depois trocar a marca.”

Com a reestruturação, o total de marcas de redes do grupo passa de nove para sete. Ao fim das conversões das lojas, serão 433 unidades, frente às atuais 412 (o aumento envolve aberturas de Sam’s e Maxxi no período). Questionado sobre a redução discreta do portfólio, Fazzio menciona o resultado de pesquisas com 580 pessoas em cinco Estados, realizadas no fim do ano passado.

“Os estudos mostraram que Bompreço e Big são nomes fortes, com relação de afetividade com cliente em suas regiões. O que eu poderia fazer? Jogar tudo fora só para simplificar e mostrar que tenho uma marca única? Não faria o menor sentido”, diz ele, numa das raras entrevistas que concedeu até hoje. Fazzio já foi CEO da C&A e do Carrefour Brasil e diretor do Makro e do Grupo Pão de Açúcar.

A Advent adquiriu 80% do Walmart no Brasil em meados de 2018 e os 20% restantes ainda pertencem aos sócios americanos. Fazzio chegou na rede há um ano. A saída dos sócios da empresa pode ser por uma abertura de capital ou pela venda do grupo. Fazzio não menciona prazos para isso. A Advent chega a ficar até 12 anos em seus investimentos.

A estratégia é reorganizar o portfólio para ampliar receita e reduzir custos e, então, recuperar rentabilidade. Há um plano chamado Projeto Fênix, coordenado pelo diretor comercial, o francês Daniel Mora, ex-executivo global do Carrefour. Trata-se de um plano implementado por Fazzio no Carrefour, entre 2009 e 2013, chamado então de Fórmula 1. “O objetivo é ampliar margem por meio de redução de custos, e não por aumento de preço”.

Renegociações com a indústria já foram abertas e parte da equipe do comercial foi trocada. Foram retomados acordos de bonificação por venda junto aos fabricantes, algo que não existia mais. “É preciso recuperar a agressividade dos nossos hipemercados porque não vou voltar a lucrar sem melhorá-los. Abilio Diniz [ex-controlador do Grupo Pão de Açúcar e atual acionista do Carrefour] costuma dizer que hipermercado morno é hipermercado morto, e é mesmo”.

O grupo voltou, na segunda metade de 2018, com a política de ofertas nas lojas (comhecida no setor pelo jargão “high low”), interrompendo o formato da gestão anterior de “preço baixo todo dia”. Ainda reforçou o sistema de verificação diária de preços da concorrência.

Lojas com baixo desempenho estão sendo fechadas. Desde janeiro, a nova diretoria fechou 24 pontos, entre supermercados e hipermercados. As áreas de serviços administrativos, que seriam compartilhados com unidades do Walmart em outros país, também devem ser revistas.

Com fechamento do site, em maio, houve 70 demissões e a operação, que acumulava prejuízo, deixou de pesar nos números.

A questão é que, quando varejistas reduzem de tamanho, perde-se volume de vendas e também o poder de barganha com a indústria. Sobre isso, Fazzio diz que a reestruturação deve ampliar o volume de vendas no Maxxi e no Sam’s. Ele diz que a empresa ainda é um canal fundamental para os fornecedores.

A dificuldade nesses processos está em não perder tanto o ritmo após troca de marcas ou reforma de lojas. Aberturas no varejo ajudam a sustentar a receita anual. “Ainda precisamos de mais estudos, mas acho que dá para chegar a 150, 200 lojas do Maxxi em cinco anos e há espaço para uns 60 Sam’s”. Hoje, são 47 Maxxi e 27 Sam’s. Neste ano, serão abertos dois Maxxi e quatro Sam’s. Pelas dificuldades do modelo, não há previsão de aberturas de hipermercados nos próximos anos. Com Maxxi, o grupo concorre com Assaí e Atacadão, que são quatro vezes o tamanho do Maxxi.

Também deve ser trocado, até o fim de março de 2021, o sistema de tecnologia que conecta as caixas registradoras das lojas aos centros de distribuição de produtos. Hoje, isso é gerido a partir da sede do Walmart, em Bentonville, no Arkansas. “Outro dia houve um problema [no sistema] de Bentonville e parou os caixas aqui. Tenho que entrar numa fila de outras lojas para eles resolverem lá. Estamos ressuscitando o sistema do Bompreço.”

Com o plano implementado, a ideia é atingir o ponto de equilíbrio (“break even”) no começo de 2021 e chegar ao fim de 2021 com um pequeno Ebtida, sigla em inglês para lucro antes de juros impostos, amortização e depreciação. Em 2018, a receita bruta do grupo atingiu R$ 24,5 bilhões, queda de 13% em relação a 2017. Para 2019, a empresa não projeta crescimento na receita, por conta da fase de transição.

Sobre o retorno do site, que parou de operar em maio, a empresa diz que “talvez volte a implementá-lo entre 2021 e 2022”. Um dos nomes cogitados no setor para liderar o site do grupo é o de Paula Cardoso, chefe da área digital no Carrefour, apurou o Valor. “Somos muito próximos, quem sabe eu a trago”. Boa parte da diretoria contratada por Fazzio veio do Carrefour ou de ex-executivos da rede.

Sobre o fato de ter que voltar ao varejo on-line após rivais já terem operação mais estruturada, como Carrefour e GPA, ele diz que o braço virtual dessas duas redes ainda é pequeno dentro mercado. “E manter a operação só ia consumir caixa e ser uma distração.”

Os investimentos na transformação sairão do aporte feito um ano atrás, de R$ 1,9 bilhão, do fundo da gestora na rede. Deste total, cerca de R$ 700 milhões foram aplicados no último um ano, e R$ 1,2 bilhão restantes serão desembolsados até 2021. Está abaixo da média de investimentos de GPA e Carrefour, entre R$ 1,6 bilhão a R$ 1,8 bilhão ao ano, que operam com lucro e não estão em fase de reestruturação como a do Big.

Fazzio admite que a reestruturação no Walmart acontece num momento diferente daquele em que esteve liderando a retomada do Carrefour, dez anos atrás. “Isso vai testar mais a gente. Vai ser mais difícil do que o que fiz no Carrefour. Deve levar mais tempo. O fundo sabe disso, mas vai acontecer.”

Para Manoel de Araujo, da consultoria Martinez de Araujo, o mercado está muito mais competitivo, especialmente por causa da forças das redes regionais. “Eles terão que melhorar muito a operação das lojas, que acabaram abandonadas”, disse Araujo.

A empresa deve investir R$ 150 milhões em manutenção de lojas neste ano – a média tem sido de R$ 40 milhões.

Sobre o interesse da Advent em comprar o GPA, Fazzio diz que a gestora não tratou do assunto com ele. “Nunca falei sobre isso e não vou perguntar”. O grupo francês Casino, controlador do GPA, chegou a oferecer esta varejista a investidores neste ano e o único que fez proposta foi a Advent. Mas, segundo o Valor apurou, os franceses recusaram o negócio.